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Foto do escritorJoão P. Atallah

Assassinos da Lua das Flores: Martin Scorsese clama por uma justiça histórica em seu último longa


Martin Scorsese carrega uma enorme carga de inspirações cinematográficas ao longo de seu trabalho como diretor, não sendo apenas o maior diretor vivo, mas também o maior diretor cinéfilo que temos, sendo toda essa vivência ao redor do cinema sendo bem representado em Assassinos da Luas das Flores de uma forma magnífica. O longa, baseado no best-seller do escritor e jornalista David Grann, romantiza o trabalho jornalístico e investigativo de Grann acerca da onda de assassinatos de membros da tribo Osage durante os anos 20, sendo eles donos de terras ricas em petróleo, um grande desmascaramento do caráter neoimperialista e racista dos Estados Unidos.


Um pequeno apontamento entre as diferenças entre o livro e o longa define o poder narrativo que Scorsese exerce em suas histórias na grande tela. De um lado, Granndesenvolve uma narrativa quase documental, dando foco a investigação do caso por parte do FBI, e como isso se interliga a um grande sistema de corrupção históricadentro do país, do outro, Scorsese não está interessado em desenvolver uma trama investigativa que tem como o mistério sua centralidade, ao invés disso, ele já começa a história apontando os culpados desse massacre, e não apenas isso, segue por todo o filme os tratando como os protagonistas da trama.


Porém, Ernest Buckhart (Leonardo DiCaprio), o veterano da guerra que viaja até o interior para trabalhar com seu tio e William Hale (Robert De Niro), um homem de negócios influente e tio de Ernest que também atua como o maestro dos ataques contra os Osages, são retratados como homens inescrupulosos que atuam como os vilões do longa. Nesse desenvolvimento há um certo maniqueísmo que cabe bem a história, apesar de tudo, Scorsese está contando uma tragédia étnica e memorial, não havendo uma ótica intimista nem empática aos seus atos, apenas o retrato de homens de péssimo caráter em uma empreitada violenta e sádica por dinheiro, o que de certa forma cai nessa onda revisionista do próprio diretor sobre a construção de sua obra como artista.


Martin Scorsese, durante toda sua vida como diretor, desenha uma de suas bases de sua filmografia, a construção de uma glamourização do mundo crime e de seus membros, tudo isso para esse mundo desmoronar perante suas ganâncias, sendo O Irlandês o maior exemplo de uma desconstrução narrativa do próprio Scorsese. Nesse em questão, seguindo essa ideia revisionista, a talglamourização não existe em nenhum aspecto, apenas um continuo processo de degradação da tribo por parte da máfia, mas não a máfia de Scorsese, pois essa morreu a muito tempo.


Se pelos protagonistas a empatia é vazia e inexistente, a para Mollie Buckhart (Lily Gladstone) e os Osages é o grande ponto da trama. A degradação de Mollie e de sua família perante o ataque sistemático a tribo pelas mãos de seu próprio marido é onde o filme dialoga com seu discurso histórico, onde uma minoria sofre o inferno da terra por parte de um esquema de enriquecimento dos poderosos, e como essa mesma minoria é alvo de um completo abandono estatal. Abandono esse que só desaparece quando Mollie cresce como personagem dentro da história, se livrando da influência opressora de Ernest, como uma pequena rebelião em relação ao detentor do olhar dentro do filme. E mesmo que o estado estadunidense responda esse chamado desesperado, a aparição do FBI não passa de apenas uma obrigação por parte de seus agentes para resolverem a situação, não há aquela ótica heroica para eles, são apenas homens fazendo seu trabalho, sem a imagem do herói branco.


Assassinos da Lua das Flores atua como um ato de protesto, em meio a país que busca por muito esconder e esquecer sua própria história, uma ode não só a história do povo indígena dos Estados Unidos, mas também a como o cinema pode atuar como uma preservação da história e da verdade, pois nada tem maior poder do que uma estória, ainda mais uma estória bem contada. Longa vida a Martin Scorsese, o maior diretor vivo.

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