C6 Fest 2024: A Vibe Indescritível, Criativa e Musicalmente Coesa do Festival

Com uma curadoria certeira e criativa, em um line-up curiosamente harmônico e feito para unir gerações, é impressionante como, desde a abertura dos portões no Parque Ibirapuera, tudo parece funcionar de forma tão orgânica quanto as batidas de um coração ou de uma canção.

O fim de semana ensolarado ajudou a compor o clima perfeito para revisitar clássicos e descobrir muitas novidades. Artistas que nunca haviam se apresentado no Brasil, como Raye, Soft Cell e Noah Cyrus, criaram uma conexão profunda com o público e com veteranos como Black Pumas e The Pretenders.

RAYE

Não é mentira que boa parte do público que estava no Ibirapuera no dia 18 de maio de 2024 foi para assistir ao Black Pumas fechar a noite com glória. Mas, verdade seja dita, quem testemunhou o que Raye fez em cima daquele palco sabe que não há possibilidade de qualquer ser humano sair daquele show da mesma forma que entrou. A mulher é um evento sísmico — no melhor dos sentidos.

Dentro de um vestido vermelho vibrante e munida de uma banda grande, impecavelmente afinada e conectada, evocando os tempos de ouro do jazz e do soul, Raye (literalmente) acendeu o palco do C6 Fest com uma voz que impressiona pela potência e pela emoção transmitida em cada nota. Alternando com facilidade entre faixas dançantes e momentos de introspecção, a artista de 26 anos mostrou que seu habitat natural é — e sempre será — o palco. É evidente como ela faz parecer fácil entregar um espetáculo como aquele diante de um público novo e estrangeiro.

Antes de iniciar o show, Raye compartilhou com a plateia que havia passado muito mal durante a madrugada anterior, e que sua garganta ainda estava se recuperando. Apesar disso, ela garantiu que estava pronta para entregar uma performance de alta qualidade. Isso tudo parece até um grande deboche diante da apresentação que se seguiu. Essa sinceridade e vulnerabilidade criaram uma conexão genuína com o público, que respondeu com entusiasmo e carinho — algo que se repetiu em um dos momentos mais tocantes do show, quando ela apresentou “Ice Cream Man”, revelando que a música foi inspirada em um dos episódios mais brutais de sua vida.

Dois outros pontos que valem a pena ser mencionados foram as performances de “The Thrill Is Gone” e “Mary Jane”, nas quais a entrega da artista, aliada a um repertório versátil e variado, deixou todo mundo de boca aberta. Cada música foi interpretada com tamanha intensidade emocional, evidenciando a profundidade lírica e a maturidade artística da britânica — que já é comparada a Amy Winehouse e Adele.

A apresentação de Raye no C6 Fest 2024 foi uma estreia memorável no Brasil, consolidando sua posição como uma das artistas mais promissoras da cena musical atual. Com uma performance impecável, setlist envolvente e uma conexão genuína com o público, Raye mostrou por que está se consolidando como uma das grandes revelações da música contemporânea — e por que está pronta para conquistar o mundo.

SOFT CELL

 Se tem uma coisa que o C6 Fest fez com sucesso, foi unir públicos de diferentes idades e gostos musicais — e o maior exemplo disso, talvez, seja o Soft Cell. Em uma atmosfera de celebração e nostalgia intensa, a banda levou o público a uma viagem no tempo, trazendo à tona toda a essência do synth-pop britânico dos anos 80.

Com uma performance enérgica e um repertório que atravessa gerações (foi um momento único curtir a vibe de filme de ação oitentista em “Tainted Love” com tanta gente diferente), a banda conseguiu envolver a plateia e mostrar toda a sua identidade.

AYRA STARR

Vestida com um conjunto verde e amarelo, a estrela nigeriana do afropop — que, aos 22 anos, já carrega muita bagagem — encantou o público com uma presença de palco vibrante e uma performance cativante.

Acompanhada de quatro dançarinas de apoio, ela não apenas cantou, mas também dançou e interagiu ativamente com o público, criando, cheia de carisma, uma atmosfera de celebração e conexão entre as culturas brasileira e nigeriana. Durante o show, incentivou os presentes a cantarem juntos e compartilhou palavras em iorubá, aproximando ainda mais a plateia.

Um ponto alto foi “Away”, quando ela conseguiu fazer o público cantar o refrão em uníssono, provocando um momento único, feito de genuína união através da música — momento em que a alegria da artista, que revelou estar nervosa antes do show, ficou escancarada no sorriso e na potência de sua voz.

Ayra prometeu voltar ao Brasil em 2025 — e tomara que volte mesmo. Com um show cheio de personalidade e um repertório que destaca sua versatilidade musical, ela deixou uma impressão duradoura na memória dos fãs brasileiros.

BLACK PUMAS

Quando o sucesso “Colors” chegou ao mundo em 2019, o Black Pumas fez um barulho necessário, tamanha a qualidade da produção e dos vocais de Eric Burton. Depois desse show, eles se firmam, de fato, como as nossas cores favoritas.

O duo texano, formado por Burton e Adrian Quesada, trouxe ao palco do C6 Fest uma performance leve e segura, com todo o soul, psicodelia e carisma certeiros para envolver uma plateia que já vinha engajada, depois de tanta coisa boa acontecer naquele palco. A surpreendente abertura com Cimafunk (até ali, o menos conhecido do público) já foi o suficiente para criar expectativas sobre o que viria em seguida. Só mesmo uma banda como o Black Pumas teria capacidade para encerrar uma noite tão especial — e, felizmente, eles estavam na melhor forma.

Não há muito o que comentar aqui: o show foi perfeito em todos os sentidos. Entrega, presença e música. Muita música — que é o que eles fazem de melhor. E como fazem!

Nos levando por um passeio entre os dois álbuns, o grupo ainda apresentou covers emocionantes de “Sugar Man”, de Sixto Rodriguez, e “Fast Car”, de Tracy Chapman, que foram recebidos com entusiasmo pelo público. Tudo isso embalado por uma produção visual cuidadosamente elaborada, com iluminação que complementava a atmosfera das músicas e um telão gigante que ampliava a experiência sensorial — com destaque para as luzes e a performance de “Gemini Sun”.

A interação de Eric Burton com o público — incluindo momentos de proximidade e espontaneidade, especialmente quando ele desceu do palco e se misturou à plateia — contribuiu para uma conexão leve entre artista e público.

Sabemos que o público brasileiro já está ansioso pela próxima visita da banda ao país. Com toda essa autoridade delicada e elegante no palco, e demonstrando a habilidade de criar uma experiência única, o grupo já é majestade na cena. Felizmente, as nossas cores favoritas.

NOAH CYRUS

No dia 19, a Tenda MetLife foi palco do carisma e da entrega de Noah Cyrus, que — para quem a conhecia apenas como “a irmã mais nova de Miley” — mostrou que possui uma identidade artística muito própria, além de ser dedicada e confiante o bastante para cativar todos os tipos de público.

Toda a entrega emocional e o carinho demonstrado em cada canção — com destaque para “Dear August”, uma colaboração com PJ Harding, e “Make Me (Cry)”, a primeira música de sua carreira — evidenciaram o grande potencial que ela tem para fazer muito barulho na cena pop.

PAVEMENT

Como se não bastasse a carga histórica e o posto de elite que o Pavement ocupa na cena do indie rock, a banda mostrou que é muito mais do que música ao prestar uma homenagem à produtora mineira Fernanda Azevedo, falecida dias antes do festival.

Responsável por uma das performances mais aguardadas desta edição, a banda não decepcionou ao transformar a Tenda MetLife em uma verdadeira festa de formatura de filme gringo dos anos 90. O visual da tenda já remetia a isso, com as árvores espalhadas pelo terreno e as luzes coloridas — só faltava o som.

O passeio pela discografia que ajudou a moldar as bases do indie, somado à performance cativante e ao empenho em conquistar (ainda mais) o público — mesmo que ele já estivesse entregue à catarse — foi recheado de momentos de improviso e referências ao Brasil, que evidenciaram a maestria da banda em criar melodias com naturalidade.

Já se encaminhando para o final da apresentação, durante o sucesso “Cut Your Hair”, o Pavement lembrou que, apesar de estarmos curtindo um dos melhores shows do festival, o país vivia uma tragédia. A banda dedicou a canção a Porto Alegre e demonstrou, mais uma vez, empatia com o público brasileiro — entendendo a responsabilidade que tem ao ocupar uma posição de tanta visibilidade. Afinal, estavam diante de um espaço com capacidade para 5 mil pessoas, e lembrar a tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul foi, no mínimo, um gesto profundamente necessário.

DANIEL CAESAR

A apresentação começou com uma câmera exibindo imagens de Daniel ainda no camarim, fazendo uma oração com sua banda, antes de acompanhá-lo pelos bastidores até o palco. Sua entrada, com expressão de espanto e nervosismo, foi recebida com gritos de apoio do público, criando uma atmosfera de cumplicidade e acolhimento.

Acompanhado de uma banda reduzida a três músicos, Daniel Caesar entregou vocais sempre afinados e potentes, envolvidos por um som tão cristalino que parecia uma gravação. Não. Era melhor. Porque, ali, o público foi capaz de testemunhar — e se emocionar de verdade — com toda a entrega física à suavidade e à potência de seus sucessos, como “Best Part”, em parceria com H.E.R., “Japanese Denim” e “Always”.

Falando em “Best Part”, esse foi um dos pontos altos da noite: o telão exibiu imagens de casais apaixonados e fãs emocionados, traçando de forma clara a conexão entre artista e público. Compondo um espetáculo sensorial, cheio de autenticidade, carinho e respeito, esse foi apenas um suspiro de uma apresentação que será lembrada como uma verdadeira aula de sensibilidade e humanidade no palco.

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