Foto: Thaís Monteiro | @thaclicando | Glow Pop Brasil
Gilberto Gil está se despedindo dos palcos, mas sua música continua ecoando como se o tempo não tivesse pressa. Na noite de sábado, a Farmasi Arena foi palco de mais um capítulo emocionante da turnê Tempo Rei, que vem percorrendo o país como um verdadeiro rito de celebração à vida e à obra do artista. Um dos maiores nomes da música brasileira, Gil já havia passado pelo local em apresentações marcantes no final de semana anterior, e dessa vez voltou ainda mais imponente. Entre homenagens e surpresas, como as participações de Marisa Monte e Lulu Santos nos shows anteriores, a noite de ontem ficou marcada pela presença da Cantora Anitta.


Com alguns minutos de atraso, Gil começou o show por volta de 20:40h, com a música “Palco”, como quem já anuncia que está no centro da história. Na sequência, “Tempo Rei” soou como uma reverência ao tempo vivido, ao tempo que resta, e ao tempo que a música eterniza. Gil fez jus ao título da turnê e entregou um repertório que costura décadas de trajetória com sutileza e força.
Os arranjos ganharam corpo com a presença familiar que o acompanha: filhos, netos, músicos que compartilham não só sangue, mas uma sintonia rara e ancestral. A troca entre eles no palco é milenar, como se cada nota fosse herdada e reimaginada ao mesmo tempo.


Foi então que o tempo nos puxou de volta para os anos 60. “Domingo no Parque” trouxe imagens da Tropicália nos telões, Gil mais uma vez nos lembrando que foi um dos pilares desse movimento que moldou a música brasileira. A canção, que integrou seu primeiro disco e também o antológico Tropicália ou Panis et Circencis, serviu de ponte para “Cálice”, feita em parceria com Chico Buarque. Antes dos primeiros versos, o telão exibiu um depoimento de Chico, lembrando como nasceu a amizade e a aliança musical de mais de 50 anos. Cálice, com sua potência simbólica, voltou a silenciar a censura, agora pelos aplausos fortes do público.
Na sequência, “Back in Bahia”, “Refazenda” e “Refavela” reafirmaram a habilidade única de Gil em unir raízes e modernidade. A plateia acompanhava cada acorde com emoção, dançando, cantando e sorrindo. Um show de quase duas horas e meia que mais parecia uma aula-viva sobre o poder da música de atravessar o tempo e nos manter de pé. O momento de “Realce”, coroado com um chuvisco de fogos, deu ainda mais brilho à celebração.
Em seguida, Gil desligou a guitarra elétrica e entrou num instante mais íntimo. Só voz e violão. Vieram então “Drão”, “Estrela” e “Esotérico”, esta última, uma das composições mais cultuadas de seu repertório, imortalizada por nomes como Gal Costa e Caetano Veloso. O silêncio respeitoso da plateia nesse trecho foi tão poderoso quanto os aplausos.


Mas logo o artista oltou à guitarra e retomou a energia com “Expresso 2222” e “Andar com Fé”. E aí, o momento mais inesperado da noite: Anitta subiu ao palco. Juntos, cantaram “Funk-se quem puder” e Aquele Abraço. Um encontro simbólico entre gerações — o ícone da MPB e a força pop contemporânea dividindo o palco, provando que a música de Gil ultrapassa estilos e idades.


Para o bis, Esperando na Janela, em versão cheia de axé e calor, antecedeu o fechamento apoteótico com Toda Menina Baiana. Papel picado no ar, todo mundo pulando e cantando junto. Era impossível não sorrir.

Gilberto Gil se despede, mas deixa um legado que não se apaga. E na Farmasi Arena, ontem, ele fez questão de lembrar: o tempo pode passar, mas o rei continua em cena.