Foto: Kevin Mazur | WireImage for Live Nation
Lady Gaga reavivou sua relação com os fãs e a crítica, oferecendo uma performance inusitada e visualmente impressionante que evidenciou sua constante evolução como artista. Intitulado The Art of Personal Chaos, o espetáculo foi dividido em cinco atos teatrais que exploraram diferentes aspectos da identidade da artista. A cantora, que mesclou nostalgia e inovação, criou ao lado de Parris Goebel uma experiência única para o público, que teve cerca de duas horas de imersão na evolução de sua trajetória artística, culminando com a celebração de seu novo álbum, Mayhem.
Dividido em cinco atos teatrais, o espetáculo reafirmou a visão artística ousada da performer. A estética gótica e luxuosa que permeou a apresentação — já antecipada nessa etapa de pré-turnê internacional — se fundiu com o calor humano e a vibração tropical do público carioca, criando um contraste emocional poderoso.
ACT 1: VELVELT AND VICE

O primeiro ato abriu com “Bloody Mary”, reforçando a atmosfera sombria e dramática com figurinos que lembravam personagens de um conto barroco contemporâneo. A performance incorporou elementos teatrais, como batalhas de dança e confrontos com doppelgängers, simbolizando a morte e ressurreição de suas múltiplas personas artísticas.
A estrela pop usou dois figurinos emblemáticos durante o show, projetados exclusivamente para o show em solo brasileiro, diferente de suas apresentações prévias no Coachella e no México. O primeiro, verde, apareceu durante a performance de “Abracadabra x Judas”, refletindo seu respeito e amor pela cultura brasileira. O verde ressoou com a energia do Brasil, e a intérprete se entregou à performance com total paixão e entrega.
O momento de maior destaque foi a performance de “Poker Face”, transformada em uma batalha simbólica no tabuleiro de xadrez tridimensional. A musicista liderou uma coreografia elaborada, representando um confronto entre duas facções, uma delas liderada por ela mesma, a outra por uma figura velada de branco. Essa encenação não apenas simbolizou a luta interna entre luz e escuridão, passado e presente, mas também aprofundou a experiência emocional do público, que pôde sentir a intensidade dessa batalha interna, destacando a criatividade cenográfica do espetáculo.
ACT 2: AND SHE FELL INTO A GOTHIC DREAM


Transitando para o Act 2, a artista se transformou em um personagem enterrado entre cadáveres, significando a morte de seus antigos eus e a sobrevivência de sua identidade artística. Abrindo com “Perfect Celebrity,” o ato mergulhou no tema da dualidade — como as personas podem parecer sem vida, mas ressoam com fervor.
Apesar de omitir faixas de álbuns anteriores como Artpop, Joanne e Chromatica, a performer entregou um setlist coeso que mesclou clássicos como “The Fame” e “Born This Way” com músicas do novo álbum Mayhem. A canção “Abracadabra” foi apresentada duas vezes: inicialmente em sua versão original e posteriormente em um remix produzido por Gesaffelstein, demonstrando a versatilidade da estrela.
Um dos momentos mais poderosos do show aconteceu durante a música “Alejandro”. A compositora estendeu uma gigantesca bandeira do Brasil no palco, criando uma imagem que ecoou a união e a celebração da cultura local. A bandeira foi exibida enquanto a cantora se movia e interagia com o público, que aplaudia fervorosamente. Esse gesto se tornou um símbolo de respeito e carinho, e a popstar demonstrou mais uma vez seu compromisso com a inclusão e o amor, não apenas por meio de sua música, mas também com gestos de grande significado.
Antes da performance, a intérprete convidou um tradutor para que a praia de Copacabana inteira entendesse na íntegra seu discurso:
“Vocês esperaram por mim, esperaram por mais de dez anos. Eu amo vocês. Eu agradeço por esperarem. Agradeço por me receberem de volta com tanta gentileza e de braços abertos. Hoje à noite, eu quero ajudá-los. Quero que o mundo veja o quão grande é o coração de vocês e que se inspire no seu espírito.” — disse.
Incorporam o ato: Disease, Paparazzi e The Beast.
ACT 3: THE BEAUTIFUL NIGHTMARE THAT KNOWS HER NAME
No terceiro ato, o surrealismo tomou conta. A norte-americana dançou com um esqueleto e interpretou a colaboração com Gesaffelstein, “Killah”. A combinação de coreografia e o ambiente perturbador, com projeções de criaturas estranhas, reforçaram a ideia de um pesadelo com tons de beleza distorcida. A transição de uma sonoridade eletrônica e sombria para um momento mais visceral foi uma das surpresas do show, e “Zombieboy” mostrou a habilidade da estrela em transformar o bizarro em uma performance de grande impacto emocional.
A cantora se aprofundou em sua luta pessoal com identidade e fama, interpretando “Killah” em colaboração com Gesaffelstein e dançando com um esqueleto, simbolizando sua conexão com as forças mais sombrias de sua própria psique. O palco se transformou em um ambiente gótico, onde a perfeição da coreografia se mesclava com a intensidade emocional da performance. Esta parte do show reforçou a complexidade da artista como criadora, equilibrando momentos de pura intensidade com momentos de introspecção e autodescoberta.
O segundo figurino projetado, amarelo, foi usado durante “How Bad Do You Want Me”. A escolha da cor, típica da bandeira brasileira, reforçou a conexão simbólica com o país, trazendo uma dose extra de emoção ao espetáculo. As cores não eram apenas uma homenagem à nação, mas também serviam para conectar a intérprete com seu público, especialmente com aqueles que a viam como musa e aliada.
ACT 4: TO WAKE HER IS TO LOSE HER

Refletindo um tom empoderador, o Act 4 viu a artista retomar sua agência, entregando “Born This Way” em uma performance que parecia um crescendo monumental. A expressão de individualidade ressoou profundamente, enquanto ela declarava: “Você é quem escolhe ser, você sempre será.” O espetáculo de fogos de artifício intensificou as apostas emocionais, e o público sentiu a potência de cada nota.
No entanto, essa resolução foi temperada com a percepção de que a evolução pessoal muitas vezes vem com o abandono de antigas identidades. A jornada da performer se tornou uma narrativa espelhada, ressoando com as lutas de inúmeros fãs.
Diferente de outras passagens por festivais, o show no Rio teve uma carga simbólica ainda mais intensa graças à massiva presença da comunidade LGBTQIA+. Copacabana foi tomada por bandeiras, brilhos e expressões de liberdade, transformando a praia em um território de celebração e pertencimento. Para muitos, foi mais do que um espetáculo: foi um reencontro com uma artista que sempre abraçou o que é diferente, que cantou sobre amor próprio antes que isso virasse tendência, e que construiu uma linguagem estética onde o queer e o belo coexistem com força e orgulho.
Gaga surgiu no mainstream em 2008, numa época em que ainda havia escassa representação queer positiva na cultura pop. Desde então, se firmou publicamente como aliada da comunidade — não apenas por meio de discursos, mas integrando a identidade queer à sua arte, visualidade e narrativa. Sempre tratou o “diferente” como digno e necessário, oferecendo espelho e acolhimento a inúmeros jovens LGBTQIA+. Mais do que palavras, sua atuação foi concreta: defendeu políticas públicas inclusivas, participou de campanhas contra o bullying e apoiou abertamente o casamento igualitário nos EUA muito antes de sua legalização. Fundou a Born This Way Foundation, dedicada à saúde mental e ao empoderamento de jovens marginalizados. Seus shows, videoclipes e aparições tornaram-se verdadeiros refúgios para pessoas queer — espaços onde seus fãs podem existir sem medo, onde o “estranho” não é apenas aceito, mas celebrado.
Desde seu primeiro álbum, a popstar conquistou a comunidade LGBTQIA+ ao refletir, com brilho e coragem, as dores e os desejos de quem cresceu à margem. De rechaçada a ícone, tornou-se musa de um público que ansiava por representação — por um lugar onde pudesse existir com autenticidade. A performer não cantava apenas para eles, mas com eles — e por todos que não se reconheciam em nenhuma outra voz pop da sua geração.
Durante “Born This Way”, ela deu início à performance para falar diretamente ao público LGBTQIA+: “Vocês são o coração da minha carreira. Vocês me ensinaram o que é coragem. Obrigada por serem exatamente quem são.” A frase foi acolhida por uma onda de aplausos e lágrimas, selando — mais uma vez — a conexão visceral entre a artista e aqueles que, por tantos anos, ela ajudou a ver beleza em si mesmos.
Outro momento de grande emoção foi durante a performance de “Vanish Into You”, quando a artista decidiu descer do palco e atravessar a passarela que levava até o público. Em um gesto de proximidade e afeto, ela interagiu com os fãs, tocando suas mãos e olhando nos olhos de quem estava ali para vê-la. O contato físico e visual fez com que o público sentisse ainda mais a imersão emocional do show. Era como se a estrela estivesse se entregando completamente a cada pessoa ali presente, reforçando a ideia de que sua música e sua arte são uma experiência compartilhada, não apenas uma performance.
ACT 5: FINALE: ETERNAL ARIA OF THE MONSTER HEART

Talvez o momento mais emocionante de toda a apresentação tenha sido após “Bad Romance”. Quando a música terminou, a cantora foi surpreendida por um espetáculo de fogos de artifício que durou cerca de cinco minutos. Sem saber sobre a surpresa, a artista foi tomada por um turbilhão de emoções. Depois de se abraçar com sua equipe, ela se sentou no palco, no final da passarela, e olhou para o céu com admiração. A cena foi de pura vulnerabilidade, com ela visivelmente emocionada e chorando diante da surpresa. Nesse momento, gritou de felicidade e amor para o Brasil, uma explosão de gratidão e conexão com o público que, por sua vez, respondeu com uma ovação ensurdecedora.
Essa surpresa foi um reconhecimento não só da grandiosidade do show, mas também do carinho genuíno que a intérprete sente por seus fãs brasileiros. O espetáculo de fogos foi o ponto culminante de uma noite que, para muitos, se tornou inesquecível. A emoção foi palpável, e a artista, com os olhos marejados, parecia agradecer por todo o amor que recebeu ao longo da sua carreira, especialmente de seus seguidores brasileiros, que, como ela mesma disse, são “o coração” da sua trajetória.
O show foi uma fusão de música, teatro e moda, onde cada elemento foi cuidadosamente orquestrado para contar uma história de transformação e autodescoberta, solidificando ainda mais sua reputação como uma artista visionária e inovadora.
A direção de arte do espetáculo foi uma das grandes responsáveis pelo sucesso visual do show. A estrela desfilou uma série de figurinos de alta costura, como uma capa vermelha de Sam Lewis, uma armadura metálica de Manuel Albarran e um vestido de penas brancas de Matières Fécales. Cada traje reforçou a narrativa de seus atos, complementando a estética gótica e teatral da apresentação.
Embora já tivesse emocionado o público semanas antes no Coachella 2025, foi em solo brasileiro que a performance atingiu uma nova camada de significado. O show reuniu cerca de 2,1 milhões de pessoas na orla de Copacabana, impactando diretamente a economia local, com a rede hoteleira operando em sua capacidade máxima, aumento expressivo nas vendas do comércio e um turismo aquecido que trouxe pessoas de todas as regiões do país e da América Latina.