Foto: Érico Toscano
Rachel Reis, uma das vozes mais inovadoras da música baiana contemporânea, apresenta seu segundo álbum de estúdio, intitulado Divina Casca. O álbum propõe uma reflexão sobre os processos de reconstrução pessoal e artística. A faixa-título, que abre o disco, simboliza o amadurecimento e as camadas que se formam ao longo da vida, refletindo o processo de transformação vivido pela cantora. Através de 15 faixas inéditas, Reis conduz o ouvinte por uma jornada emocional e sonora, onde a reconstrução de si mesma, como mulher, artista e ser humano, é o fio condutor de toda a obra.
Musicalmente, Divina Casca é uma celebração da diversidade sonora brasileira. Rachel transita com naturalidade por ritmos como samba, reggae, MPB, axé, eletropop e pagodão, criando uma sonoridade eclética, mas profundamente conectada com suas raízes. As colaborações enriquecem ainda mais o álbum, trazendo diferentes perspectivas e texturas musicais.
O conceito central do disco reside na ideia de transformação. A artista abraça o álbum como “um convite a sentir na pele cada parte da jornada”. Em suas palavras, é sobre acolher as feridas e reconhecer o poder de transformação que existe nelas, evidenciando a sinceridade e vulnerabilidade de quem, ao longo do tempo, aprendeu a lidar com os desafios da vida e a se reinventar.
As influências de ritmos tradicionais baianos se mesclam com elementos modernos da música brasileira, criando uma sonoridade eclética e autêntica. Em faixas como “Alvoroço”, com participação do BaianaSystem, e “Apavoro”, com Psirico, a cantora revisita as raízes da música baiana, trazendo uma leitura contemporânea e inovadora. Já em canções como “Ensolarada”, um dos primeiros singles do disco, Rachel explora atmosferas mais introspectivas, com letras que exalam vulnerabilidade e a busca pela paz interior.
O álbum é pontuado por colaborações de peso que enriquecem ainda mais a proposta de fusão de estilos. Participações de Don L, Rincon Sapiência, Nêssa e Psirico somam camadas de significado e sonoridade, elevando a produção e trazendo diferentes perspectivas para a obra. A escolha cuidadosa dos colaboradores é um reflexo do desejo de Rachel de trazer à tona uma versão ainda mais autêntica de sua própria identidade, mesclando diferentes influências de artistas que compartilham de sua visão e musicalidade.
Em meio a um trabalho carregado de influências profundamente baianas, destaco “Tabuleiro” por trazer um rap que, embora ainda enraizado nas tradições do ritmo e da energia baiana, ousa flertar com sonoridades mais contemporâneas. Essa fusão de elementos clássicos e modernos não só amplia a sonoridade do disco, mas também reforça a capacidade de Rachel em reinventar a música baiana..
Na canção, a autora se posiciona de maneira crítica em relação ao mercado da música e aos desafios impostos às artistas, especialmente as mulheres, em um ambiente predominantemente masculino. A colaboração com Don L, Nêssa e Rincon Sapiência traz à tona uma sonoridade que mistura elementos do rap e do funk, criando uma atmosfera de resistência e empoderamento. A canção é uma poderosa declaração de independência, posicionando Rachel como uma artista irreverente que se recusa a se submeter às convenções do setor.
Uma das faixas mais marcantes de Divina Casca é “Sexy Yemanjá”. Nessa canção, Rachel evoca sua identidade e poder feminino com uma sensualidade que transcende o clichê. A fusão de elementos da música afro-brasileira com toques de eletrônico e pop cria uma atmosfera energética.

Em termos de produção, Divina Casca apresenta arranjos meticulosamente detalhados, e a instrumentação é sofisticada, sem perder a conexão com a simplicidade e a energia das raízes musicais de Reis. O álbum é uma prova de que a cantora não se limita a criar apenas sucessos, mas sim obras que transmitem uma mensagem mais profunda e genuína, demonstrando amadurecimento musical e coesão em seu segundo disco. A produção de Iuri Rio Branco, Barro, SekoBass, Guilherme Assis e Diogo Strausz contribui para uma atmosfera coesa, que vai desde momentos mais dançantes até os mais introspectivos, criando uma narrativa sonora que complementa as temáticas abordadas nas letras.
Liricamente, Rachel Reis não se esconde. Ao longo do álbum, ela expõe sua vulnerabilidade com uma sinceridade que toca o ouvinte. Em “Furacão”, a cantora aborda os momentos de tensão e a necessidade de reconstrução após a adversidade. A canção é uma metáfora poderosa para o processo de enfrentamento das dificuldades da vida e a busca por força para superar as tragédias pessoais. Já em “Caju (Noda)”, Rachel faz uma homenagem ao exagero e à pureza do amor, ao mesmo tempo em que reflete sobre os próprios dilemas afetivos.
A cantora consegue transitar entre o lúdico e o profundo, explorando as várias facetas do sentimento humano de maneira delicada e poética. A diversidade de temas abordados nas letras é um dos pontos altos do álbum, permitindo que o ouvinte se identifique com diferentes aspectos da experiência emocional apresentada.
Os visualizers de Divina Casca, criados pela diretora e designer Aline Lata, são uma extensão visual poderosa da identidade musical de Rachel Reis. Aline, conhecida por seu trabalho intimista e conceitual, traduz com maestria a narrativa do álbum por meio de imagens que não apenas complementam, mas intensificam a experiência auditiva. Cada faixa do álbum é acompanhada por um visualizer único, que se torna um elemento vital da expressão artística de Rachel, refletindo sua jornada de autodescoberta e reconstrução.
A sensibilidade com que Aline manipula as imagens cria uma atmosfera que transita entre o sonho e a realidade, ampliando a mensagem de cada música e permitindo que o ouvinte vivencie uma imersão mais profunda na obra de Rachel.
A estética dos visualizers reflete não só o conteúdo emocional e temático do álbum, mas também a relação intrínseca entre música e imagem, um jogo que Rachel Reis e Aline Lata dominam com notável sincronia. O trabalho de Aline eleva a experiência do álbum a um nível multidimensional, transformando as músicas em algo ainda mais completo e envolvente. É especialmente admirável quando artistas nacionais se dedicam à construção e ao desenvolvimento narrativo de um projeto, atuando de forma integrada tanto no áudio quanto no visual, com total envolvimento criativo em ambas as frentes.
Confira em: https://youtube.com/@rachelreis?si=wjoyOS5AbKcTHK7y
Ao final de Divina Casca, fica claro que Rachel Reis não apenas consolidou sua posição na música brasileira, mas também deu um passo significativo em sua evolução como artista. Este álbum é uma obra madura, introspectiva e, acima de tudo, ousada. Ele não se limita a ser uma coleção de canções, mas uma verdadeira experiência sonora e emocional, que convida o ouvinte a refletir sobre suas próprias jornadas de transformação e autodescoberta.
Se o seu álbum anterior, Meu Esquema, a colocou no radar do grande público, este novo trabalho é a confirmação de que Rachel é uma artista em plena ascensão, com um futuro brilhante pela frente.